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A História de um educador social e sua forma(ação)...

Introdução

Num país com violência e seqüestros que estampam as capas de jornais, e ganham dimensões cinematográficas. Jovens seqüestradores se sentem protagonistas de um filme; são histórias tragicômicas, que enaltecem o drama das vítimas e também expõe as fragilidades de nossa sociedade.  Neste sentido, é necessário ressaltar que muitas vezes só o crime(televisionado) é capaz de proporcionar um protagonismo a certos  indivíduos das classes populares. Assim, virar um criminoso pode virar um motivo de status em certas comunidades;​
Nessa realidade os programas de educação social transformam-se, numa outra possibilidade de visibilidade para indivíduos em risco social, tendo como via principal a fruição a arte como via condutora relacional entre o educador e seu educando.
Este texto é o resultado de conversas com um educador social que utiliza a linguagem cômica como uma possibilidade de intervenção psicopedagógica, em seus alunos, incentivando-os a resiliência diante as adversidades utilizando o cômico como mecanismo  de transcendência.

Começando...

Ao longo de minha carreira profissional conheci “personagens” que poderiam ser protagonistas de filmes de diversos gêneros, não falo de filmes reais, mas filmes metafóricos. Dentre esses personagens conheci Chaplin, nome simbólico intuído para este texto, e dimensionado a partir da sensibilidade artística e cômica desse personagem.
Chaplin, tem cerca de 42 anos, é um virtuose dentro da música. Bacharel em música,  estudou com um dos grandes nomes da área. Tocou com orquestras, viajou pelo país, gravou discos, conheceu grandes músicos, etc.
Entretanto, apesar de toda essa “bagagem” ele vive uma vida economicamente muito simples. Numa conversa com ele ouço uma frase bastante rica de significados; Com orgulho ele me diz: “eu já estive na frente dos holofotes(e dá um intervalo de segundos)... pena que holofotes só trazem luz, mas não dinheiro”. Ele (des) vela seu orgulho do passado, mas ao mesmo tempo, comicamente evidencia a falta do reconhecimento devido que deveria ter adquirido.
Este educador vive num bairro de periferia da Grande Vitória-ES, tendo uma vida bastante modesta; não dispensa sua sinuca e cerveja, sendo rodeado de pessoas da comunidade, que segundo Chaplin, não sabem muito bem o significado de sua história e de seus gostos eruditos, mas que servem de eco para ele(BERGSON, 1988), em suas piadas e brincadeiras.
Chaplin torna-se um educador social, e num primeiro momento impactado pelo  conhecimento de um novo mundo e cheio de adversidades.
Nas palavras de Chaplin:
Caramba! Logo que eu cheguei na educação social a coisa foi pesada.. Muitas crianças gritando, poucos recursos financeiros e, principalmente um baque para mim, que estava acostumado a grandes concertos, a glamour, aplausos. Foi como se me tirassem de um castelo e me jogassem no meio de um deserto.
E acrescenta(num tom mais resignado):
Mas foi essa realidade dura que me formou como educador social. Não foram as aulas de didática, não foi estudar. Foi o vivenciar na carne aquela realidade, a principio meio estranha pra mim, mas que depois se transformou em parte importante da minha vida. Ser educador social para mim foi um processo de transformação. Eu não nasci, eu me tornei um educador social!
Com o passar dos anos Chaplin, já “transformado” em um educador social (des)vela que guardou dentro de si, herdado da musica erudita, o objetivo de sensibilizar artisticamente as crianças, tentando reduzir a distancia entre musica erudita e a realidade daquelas crianças em risco social. Com o intuito de evidenciar o conteúdo universal da arte e, de que a sensibilidade não é algo destinado a uma classe social. O mesmo musico metódico e engajado, torna-se um educador dedicado e com a cabeça dentro dos conceitos da  educação social.
A principio, as adversidades foram grandes, principalmente no que dizia respeito a conhecer a história de cada criança. Muitas histórias não são agradáveis de se ouvir: pais violentos, fome, convivência com a marginalidade. Mas foram exatamente estas falas que funcionaram como martelo que esculpiu nesse educador, um educador social.


Conforme Incubes(2008, p. 3):

 

Em síntese, educação popular é um fenômeno de produção e apropriação dos produtos culturais, expresso por um sistema aberto de ensino e aprendizagem, constituído de uma teoria de conhecimento referenciada na realidade, com metodologias (pedagogia) incentivadoras à participação e ao empoderamento das pessoas, com conteúdos e técnicas de avaliação processuais, permeado por uma base política estimuladora de transformações sociais e orientado por anseios humanos de liberdade, justiça, igualdade e felicidade.

A partir da inserção nessa realidade, Chaplin, nos evidencia que o seu grande instrumento para se familiarizar com a realidade foi o seu lado cômico, suas piadas, seu bom-humor. Sendo exatamente isso sua ponte até seus educandos e  colegas de trabalho, servindo como um auxílio prazeroso de enfrentamento daquela adversidade que se apresentava ali cristalizada pela vivência da diferença.

Assim, humor não era apenas prazer, mas uma possibilidade de diálogo com uma outra realidade e com pessoas. O Cômico era uma possibilidade psicopedagógica inconsciente ou intuída/sentida de adentrar aquela realidade.

O humor era o elemento comum as duas realidades. A comicidade era diálogo!

Sobre essa questão Lins (2002) enaltece que o discurso é diálogo, sendo este compreendido num esforço conjunto entre falante e ouvinte na construção de um sentido, em que o ato de falar pressupõe o ato de ouvir. E resgata Tanen quando esta afirma que produzir sentido no mundo é fazer conexões entre as coisas, sejam elas presentes, sejam pelas coisas que experimentamos ou ouvimos falar.
 

Dessa forma a utilização da expressão intuída/sentida nesse micro-artigo tem a conotação de percepção comum, de sua “ferramenta”, singularidade ou auto forma(ação) como educação social. Entretanto, é importante ressaltar que foi uma auto forma(ação), que não se fez sozinha, mas pelo e com o outro, constituindo assim em saberes que se tornaram  práticas seja pela observação ou pelo sentido-sentido (AMATUZZI, 1980) sobre a realidade apropriado diante a experiência vivenciada.

REFERÊNCIAS


AMATUZZI, Mauro Martins. Crescimento e ajuda: veredas em psicologia. São Paulo:Cortez, 1980.
BERGSON, Henri. O riso: ensaio sobre a significação do cômico. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
INCUBES. Educação Popular. Disponível em: Acesso em: 10 nov. 2008.
LINS, Maria da Penha Pereira. O humor nas tiras em quadrinhos: uma análise de
alinhamentos e enquadres em Mafalda. Vitória: Grafter, 2002.

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